sábado, 24 de fevereiro de 2007
“ "Ai, caramba!", pensei com meus botões quando soube que a Preta Gil seria madrinha da bateria da Mangueira. "Isso não vai dar certo..." Ter pai famoso nem sempre ajuda, e o falso entusiasmo dos puxa-sacos sempre atrapalha.
Como a torcida do Flamengo e a do Vasco juntas, eu também tinha certeza de que, no mundo rarefeito das Julianas, Quitérias e Gracyannes, a Preta ia pagar um mico de todo o tamanho. Literalmente. Pois retiro, envergonhada, o que pensei.
Quando ela entrou na passarela, muito bonita nas suas plumas, paetês e cristais, pisando no chão sem pedir desculpas a ninguém, me dei conta de que embarcara no preconceito que tanto critico nos outros. Me dei conta, também, de que estava vendo um dos momentos mais interessantes do carnaval.
À minha volta, milhares de Pretas aplaudiam, com empolgação, a gordinha bem resolvida e cheia de atitude, que ali resgatava a auto-estima das mulheres de verdade, continuamente massacrada pela moda, pela mídia, pela publicidade.
Preta Gil lavou a alma de todas nós gordinhas, de todas nós não tão bonitas, de todas nós de todos os dias.
Acontece que todas as mulheres sonham ser Juliana Paes, mas, salvo raríssimas exceções, todas são Preta Gil: reais, imperfeitas, lutando constantemente contra a balança e um mundo que condena, sem piedade, quem tem seus quilos a mais.
Ver as deusas do samba evoluindo na avenida é pura magia, mas viver num país que só presta atenção a deusas é de matar.
Alguns puristas reclamam que ela atravessou o samba. Não tenho competência para julgar isso, mas -- e daí?!
O que eu vi ali da frisa, no chão, foi uma moça cheia de carisma e de energia, dançando sem parar e arrancando aplausos entusiasmados da multidão. Não é essa, exatamente, a função de uma Rainha de Bateria?
As muito lindas que me perdoem, mas, para mim, não teve para mais ninguém: minha musa deste carnaval foi a Preta Gil. “
Texto de Cora Rónai enviado para mim por Luci Lacey
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