Que pampa é essa que eu recebo agora?

segunda-feira, 24 de março de 2008

Viajamos no feriado para o interior. A Dengo (é assim que a minha afilhada vai ser chamada aqui nesse humilde blog), ainda não conhecia a nossa família e achamos que era uma boa deixar a pobrezinha logo a par do que é realmente fazer parte de uma família de gringos doidos.

No sábado à tarde fui fazer umas compras no mercado (mamis estava fora de casa há muito tempo e papis, durante esses dias, ia para a casa de um tio diferente a cada dia filar o rango, então, não tinha quase nada em casa).

Na saída do mercado, tomei um susto quando o rapaz que estava carregando as sacolas até o carro me chamou. Era um colega de colégio do meu irmão. Conversamos um pouco e ele me contou sobre como andava a vida dele. Fiquei com aquilo na cabeça e fui embora.

Logo em seguida, fui fazer as unhas e outro susto: a manicure que me atendeu foi uma colega minha da oitava série, a Lisandra.

Lembro da Lisandra muito bem. Uma garota esperta, o caderno sempre caprichado, notas altas e super esforçada.

Fui para casa pensando naquilo.

Por mais que eles parecessem relativamente bem, confesso que foi um choque encontra-los. Um empacotador de mercado e uma manicure. Fiquei pensando nesses caminhos tortuosos que a vida nos reserva. Se passou um monte de coisas pela minha cabeça.

De forma alguma eu quero aqui depreciar o trabalho deles, mas eu achei triste demais.

Pensar no meu irmão e pensar no seu colega empacotador de mercado.

Pensar em mim e na ex-colega que virou manicure.

Não estou aqui questionando a dignidade da profissão deles nem a importância delas.

Mas caiamos na real. (Caiamos é correto?) Na Holanda eu até ia pensar: “Que é isso, Agri, eles tem relativamente a mesma qualidade de vida que as outras pessoas, os filhos deles estudarão em boas escolas, eles não vão passar necessidade, terão uma vida digna.”

Mas no Brasil?

Lisandra ainda largou uma pérola do tipo: “A situação por aqui não é das melhores, se eu fosse você já tinha largado tudo e ido embora para a Europa”. Na hora eu concordei com a cabeça e achei melhor não responder.

Como explicar que o meu emprego é um dos maiores motivos de eu não largar tudo e ir embora?

Como explicar para ela que, mesmo sendo em reais, eu tenho um salário que muito gringo invejaria?

Me senti um pouco envergonhada por reclamar tanto de coisas tão mesquinhas. Reclamo de barriga cheia, ou melhor, reclamo de barriga empanturrada.

E quando eu vejo esse tipo de coisa penso na minha família.

Quando o meu irmão entrou na faculdade, há 15 anos atrás, a situação lá de casa não era das melhores. Meu irmão foi obrigado a passar em uma Universidade pública, porque os meus pais não tinham cacife para bancar uma mensalidade de um curso de Medicina em uma faculdade particular.

Quando eu cresci a situação lá em casa estava muito melhor. Não tive luxo, mas também não fui privada de coisas que o meu irmão não pôde ter.

Mas lembro com saudades da felicidade que foi quando ele passou. Os primeiros meses foram de sufoco até ele encontrar colegas relativamente confiáveis com quem pudesse rachar o aluguel.

Minha mãe, para ajudar o mano a comprar os livros (que mesmo naquela época eram caríssimos), fazia salgadinhos por encomenda.

Não era propriamente um emprego, mas as encomendas no fim-de-semana surgiam e lá íamos nós, madrugadas adentro. Fornadas e mais fornadas de pasteizinhos, coxinhas, empadas, canapés.

E em nenhuma dessas vezes lembro da minha mãe triste, chorosa. Não vi a minha mãe reclamar uma única vez de como as coisas eram difíceis.

Cada vez que recebia o pagamento pelos salgados minha mãe abria um sorrisão, feliz da vida, pensando no destino do dinheiro. Ela não via o dinheiro na palma da mão dela, ela enxergava o livro, o tênis, o mês de alimentação que ela poderia ajudar o meu pai a bancar.

Talvez não seja politicamente correto, mas presenciar esse tipo de situação me faz inflar de orgulho pela mãe que eu tive.

E me traz a certeza de que, se tudo der errado, juro por Deus que cozinho a barriga no fogão, mas filho meu não vai virar empacotador nem manicure. E se eles não quiserem estudar, já aproveito as formas dos salgadinhos para dar umas boas porradas na cabeça deles até que eles implorem por misericórdia.


Su: parabéns pelo emprego, garota! Que orgulho de você!

 
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