O pesadelo

terça-feira, 8 de abril de 2008

Vou tentar contar um pouquinho o que rolou por aqui durante a estadia da moeder. Não foram momentos agradáveis, mas penso que quem sempre passou por aqui e torceu para que tudo ficasse bem, merece saber.

Vivemos um pesadelo, daqueles bem bisonhos mesmo.

Ela internou, iria fazer alguns exames e a tal cirurgia. Durante os exames descobriram que o câncer tinha se alastrado mais do que o médico na Holanda havia previsto. Ele estava pressionando a caixa torácica dela e a situação ficava pior cada dia a mais que se esperava.

Optamos por fazer logo a cirurgia. Durante a cirurgia, a pressão dela aumentou bastante, eles nem sabem explicar direito o porquê, meu irmão falou que pode ser até por causa da anestesia. Sei que lá pelas tantas a coisa ficou tão fora de controle que tiveram que encerrar a cirurgia sem remover tudo o que precisava ser removido.

Do bloco, ela foi direto para a CTI, totalmente instável e tendo fibrilação de tempo em tempo.

Não tenho nem palavras para contar o terror que vivemos. Be do lado de lá desesperado e eu do lado de cá aterrorizada de verdade.

Nunca tive alguém próximo a mim doente de verdade. Minha mãe tem diabetes, mas ela se cuida tanto que nunca houve nenhum tipo de susto. Fez a cirurgia no olho há um tempo atrás, mas tudo foi tão tranqüilo que não tem nem comparação. Eu não sabia o que fazer. A cada conversa com o médico ele nos apavorava mais. Dizia que a situação era muito grave, que era para avisarmos a família para se preparar, para vir ao Brasil, aquela coisa toda. Cada vez que eu conversava com o Be ficava mais arrasada. Um desespero sem tamanho foi tomando conta de todos nós. Entendia o lado dele de estar tão longe dela, mas por diversas vezes me senti completamente sem forças. Foi um período difícil. Nunca vi Be tão irritado e agressivo. Mais de uma vez desliguei o telefone na cara dele, achava melhor desligar do que falar coisas que fossem fazer eu me arrepender depois. Por várias vezes achei que o nosso relacionamento tinha chegado ao fim. A situação ficou insustentável. Lá pelas tantas me pegava rezando, pedindo, por favor, para Deus, para que acabasse com o nosso sofrimento, o da moeder e o meu.

Eu tinha meu emprego que não podia deixar de lado e tinha ela, alguém que, naquele momento, dependia unicamente de mim.

Diversas vezes me peguei chorando. Aliás, chorava em qualquer lugar, no escritório, no hospital, em casa.

Em uma das noites, depois de falar com o médico, (que mais uma vez falou que a coisa estava muito, muito feia), tive uma dor de estômago infernal e fui parar na emergência do hospital, com gastrite nervosa. Cheguei a vomitar sangue, o médico achou que eu poderia estar fazendo uma úlcera.

Minha mãe ficou aqui comigo o tempo todo. Todas as noites eu rezava, pedindo para que Deus olhasse por nós, que mostrasse uma solução.

Depois de idas e vindas de quase 20 dias na CTI, ela foi para um quarto. Fiquei um pouco mais tranqüila. Os médicos achavam que não precisaria mais de outra cirurgia, eles iniciariam a quimio assim que ela ficasse um pouco mais forte e controlariam o crescimento do tumor.

Misteriosamente, depois de eu dar um xilique no hospital pelo descaso de um dos médicos (o tal cirurgião), o discurso começou a mudar. O que antes era pura desgraça começou a ter um ponto de vista mais otimista.

Aliás, por pouco não perdi o pouco de paciência que ainda me restava e não avancei no tal cirurgião. Todo impaciente, nervosinho, conversava comigo olhando o tempo todo pro relógio, como se estivesse me fazendo um favor explicar o que estava acontecendo. Conversei com outros familiares de pacientes que ele atendeu que falaram a mesma coisa. O descaso que ele trata as pessoas chega beirar ao absurdo. Até agora não entendo como alguém como esse cidadão vira cirurgião oncológico. Um tipo desses não poderia ser nem ao menos veterinário, quem dirá médico.

Enfim, passou. Moeder foi melhorando, ainda que lentamente, até o dia que o novo médico achou que era hora de iniciar a quimio.

Na boa, não vou nem descrever aqui as reações da quimio. Todos sabem. Só que ver “ao vivo” é muito, muito pior. Moeder passou duas noites e dois dias a base de remédios fortíssimos para dor, ela teve uma diarréia tão violenta que a fazia chorar, acho que pela dor e até pela vergonha.

Procurávamos não chorar na frente dela, tentava me controlar. Mas no terceiro dia pós quimio, desabei, de verdade. Feridas tomavam a boca inteira dela, feridas muito feias, que a faziam gemer de dor até para tomar água.

Mais 15 dias de hospital e pouco antes da alta, o desespero recomeçou: houve um acúmulo de líquido na cavidade que acomoda os pulmões. Foi de repente, de manhã saí do hospital e ela estava bem, quando voltei a noite, o peito dela parecia inchado. Nunca tinha visto uma coisa daquelas antes. Ela foi levada às pressas novamente para o bloco cirúrgico, tinham que enfiar uma mangueira e tirar esse líquido. O médico disse que não era tão apavorante, que aquilo poderia ser uma das reações da própria cirurgia. Só que desde a entrada no Bloco até a volta para a CTI moeder teve 5 paradas cardio-respiratórias.

Às vezes eu ainda me pego pensando nisso tudo, sinceramente, não sei de onde tiramos forças para lutar, e, principalmente, não sei de onde moeder tirou tanta vontade de viver.

Por mais uma penca de dias, a coisa ficou realmente feia por aqui.

E em um desses dias, Be me ligou, mais uma vez incapaz de entender o que acontecia por aqui. Injusto, usando um tom de voz agressivo para falar comigo, só lembro que na hora nem deixei ele falar, disse tudo o que estava engasgado já há algum tempo e desliguei o telefone na cara dele, depois de deixar bem claro que aquilo para mim era o fim, que estava tudo acabado.

Duas horas depois, novamente fui parar na emergência, vomitando sangue.

Fiquei com muita pena da minha mãe, tadinha, ela não sabia o que fazer, não sabia com o que se apavorava mais, se era com a moeder ou era comigo.

Não sei ao certo o que aconteceu depois, mas suspeito que tenha dedo do meu irmão. O fato é que, 2 dias depois, Be chegou ao Brasil.

Lentamente, tudo começou a melhorar. Intimamente estava aliviada por tê-lo comigo, era alguém com quem eu poderia dividir o que estava acontecendo.

Não queria estar no lugar dele. Ele foi embora vendo a mãe bem, rindo. Ele voltou e encontrou a mãe magra, toda machucada por dentro e por fora, cheia de tubos e em estado grave.

Confesso que na hora, nem aquilo foi capaz de aplacar a minha ira. O arrastei para um hotel, não tinha coragem de fechar a porta de casa e falar tudo o que eu tinha para falar na frente da minha mãe.

Me espantei em como ele pôde ser tão ingrato. Fiz força para entender o que ele estava passando, mas acho que a postura que ele teve comigo foi muito, muito errada.

Eu gritava dentro do quarto, de raiva. E ele quieto, cabisbaixo. Pedindo desculpas o tempo todo, chorando, dizendo que eu precisava perdoá-lo.

Antes de decidir voltar com ele, ainda passamos longos dias afastados, ele dormindo em um hotel e passando o dia todo com a mãe no hospital.

Moeder saiu novamente da CTI e voltou para o quarto. Depois de mais 2 semanas ela teve finalmente alta. Foi uma alegria tê-la novamente em casa. Por duas vezes ela ainda passou um pouquinho mal e tivemos que levá-la às pressas para o hospital. Mas nada comparado com o que passou.

Depois do que vivemos eu ganhei uma amiga. Todo o reconhecimento que eu esperei por muito tempo receber da parte de Be, eu ganhei dela.

A gratidão que eu esperava de Be também veio. E desde então ele anda feito um cordeiro, pisando leve perto de mim. Melhor assim, foi preciso eu berrar e impor os meus limites para que ele se desse conta do que fez.

Moeder ainda está sob acompanhamento médico na Holanda, as últimas sessões ela fez lá. Em julho ela volta para fazer uma revisão com o médico daqui. Como não conseguiram remover todo o tumor na cirurgia, a gente fica muito com o pé atrás. A reincidência para esse tipo de tumor que ela teve é bem elevado. Mas depois de tudo o que passamos, tenho certeza de que moeder, se preciso, vai lutar até o fim. A guerra dela agora é com a anemia, ela está com uma anemia bem violenta, tomando uma penca de suplementos. Mas anemia ainda é um preço baixo para o inferno que a gente viveu.

Nossas finanças, com tudo isso, ficaram despedaçadas. Vi os meus sonhos de terminar de pagar a casa em Brecht esse ano indo por água abaixo. Vi os meus sonhos de deixar as casas aqui e lá do jeito que eu queria indo pro espaço. Tudo que a gente tinha de reserva, pro aperto, se foi, e ainda falta pagar um bom valor pro hospital. Estamos duros, de verdade. Não vou nem aqui falar em valores, mas recomendo a todos que moram no exterior e que um dia, pretendam vir morar no Brasil, ou que pensam em fazer alguma cirurgia aqui, que paguem um plano de saúde. Porque você até pode ter uma previsão de quanto vai gastar no procedimento, mas se der algum tipo de “zebra” como aconteceu no nosso caso, só Deus sabe onde a sua conta no faturamento do Hospital vai parar.

Era isso.


 
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